sábado, 20 de abril de 2019

Entrecultura entrevista o cartunista e arte-educador Joaquim Monteiro

Os traços do artista visual Joaquim Monteiro, sempre carregados de humor e crítica social, o consolidaram ainda na década de 90, quando fez uma caricatura de Oscar Niemeyer, que ficou entre as dez melhores do XIV Salão Internacional de Humor do Piauí.

Entrevista concedida a jornalista Thais Guimarães de Entrecultura em 11/08/2018
http://entrecultura.com.br/2018/08/11/entrecultura-entrevista-o-cartunista-e-arte-educador-joaquim-monteiro/



Apesar de ser reconhecidamente um cartunista, Joaquim, formado em Artes Visuais pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), prefere se intitular como arte-educador. “Sou arte-educador por formação e profissão, mas, também faço trabalhos profissionais de desenho de humor”.
Joaquim Monteiro é o que se chama de “artivista”. Militante da organização política Ruptura Socialista e diretor do Sindicato dos Servidores Municipais (Sindserm) de Teresina, tem na sua arte uma ferramenta de potente manifestação. E foi sobre sobre, arte, educação e política que o arte-educador conversou com o Entrecultura. Confere!
Entrecultura: Como você iniciou nas artes visuais?
J.M: Joaquim Monteiro: Bom, eu praticamente desenho desde bem pequeno, é obvio que todos, de um modo ou de outro, têm esse processo com um desenho nos primeiros anos de vida. Mas, minha relação com o desenho sempre foi mais profunda. Sempre fui muito introspectivo e o desenho era uma forma de interagir e de me sobressair e me autoafirmar no meio de meus amigos. Mas, só comecei a ver a arte como uma profissão já bem grandinho, no curso de Educação Artística da UFPI. Foi lá que comecei a levar realmente a sério a arte, a vê-la como um campo de conhecimento e expressão da inteligência humana. Foi nesse período, meados da década de 90, que comecei inclusive a fazer trabalhos profissionais de cartuns e caricatura. Um dos primeiros trabalhos que fiz nesta época foi um cartaz para uma peça do grupo de Teatro da UFPI, de autoria do teatrólogo Adalmir Miranda. Outro trabalho que teve reconhecimento foi uma caricatura que fiz do arquiteto Oscar Niemeyer, que ficou entre as dez melhores no XIV Salão Internacional de Humor do Piauí, em 1996.
Entrecultura: Você se identifica como cartunista. Se dedica a outras modalidades, como charge, caricatura e tirinha?
J.M: Sou arte-educador por formação e profissão, mas, também faço trabalhos profissionais de desenho de humor. As modalidades do desenho de humor nas quais milito são o cartum (piadas desenhadas), a charge (cartuns com criticas sociais e políticas) e a caricatura (retratos expressionistas engraçados).
Entrecultura: Poderia citar algumas referências artísticas para seu trabalho?
J.M: Acredito que a referência máxima de todos os cartunistas é o francês Daumier, o pai do caricatura moderna. Mas, a referência mais próxima que tenho é do cartunista paulistano Angeli. Sou da geração que cresceu vendo e admirando os personagens Bob Cuspe, Rê Bordosa, Os Skrotinhos, e tal… A revista Chiclete com Banana era como uma bíblia. Herdei muito do desenho sujo e do humor escrachado do Angeli, através dele, conheci o desenho hiper-sujo de Robert Crumb.
Entrecultura: Como professor, você leva essa arte que produz aos alunos? Como é a recepção?
J.M: Sim, levo. E também tenho procurado ajudar professores/as de outras áreas a usar da linguagem do cartum como recurso em sala de aula. A receptividade é ótima, primeiro, porque é uma linguagem mais acessível, mas lúdica e bem humorada, segundo, porque não tem a rigidez do desenho clássico e pode até ser apreendido com mais facilidade, se a pessoa se dedicar um pouco a descoberta da técnica.
Entrecultura: Você lançou os livros “Piauiês” I e II. Como foi o processo de criação dessas duas obras? O que lhe inspirou a abordar nosso “dialeto”?
J.M: Lancei o meu primeiro livro de cartuns, o “Dê Gaitadas a Folote com o Piauiês”, em 2011. E o segundo, “Dê Gaitadas a Folote com o Piauiês II – A Peleja!”, em 2015. O primeiro foi resultado de um processo, digamos, natural. Eu gostava de fazer cartuns carregados de expressões regionais que eu ouvia quando criança, muitas delas já tinham caído até no esquecimento. Depois conheci “A Grande Enciclopédia do Piauiês”, do jornalista Paulo José Cunha, com ilustrações do cartunista Jota A, daí, passei a mergulhar nessa obra e pinçar muitas expressões que foram utilizadas nos meus cartuns. Então, surgiu a ideia de se fazer um livro juntando tudo isso, coisa que só realizei em 2011. O livro teve boa aceitação. Sei de notícias dele em varias partes do país e até fora, na Argentina, Portugal, Espanha e Itália. O segundo veio como consequência do primeiro, já melhor elaborado e mais maduro e com melhor acabamento, tendo o cuidado de não colocar cartuns que reforçassem opressões, cuidado que não tive no primeiro. O terceiro já está em projeto, a ideia inicial é uma coletânea com alguns escolhidos dos dois primeiros e alguns inéditos. Vamos ver se dá certo.
Entrecultura: Suas produções, quando não trazem o tom humorístico, fazem críticas sociais. Para você, a arte seria hoje a ferramenta mais potente de manifestação frente a atual conjuntura?

J.M: Trotsky, Breton e Rivera, no Manifesto por uma Arte Revolucionária Independente, afirmaram que “A arte verdadeira, a que não se contenta com variações sobre modelos prontos, mas se esforça por dar uma expressão às necessidades interiores do homem e da humanidade de hoje, tem que ser revolucionária, tem que aspirar a uma reconstrução completa e radical da sociedade.” Portanto, quem sou eu para dizer o contrário, a arte é um dos principais instrumentos de alienação utilizados pela burguesia. Mas, o mesmo Trotsky diz que ela, na mão do artista revolucionário, é um poderoso instrumento de desalienação.
A charge, seguindo a tradição de Daumier, é uma carga de críticas, de humor mordaz, fino e certeiro. Mas, existem chargistas que utilizam mais ou menos humor. Latuff, por exemplo, tem como filosofia não usar o humor, seu trabalho é mais jornalístico, mais descritivo de uma realidade. Já outros, usam um humor mais refinado, como a cartunista Laerte. Eu sou do time dos que gostam do humor escrachado, já citei que sou fã do Angeli. Um humor meio anarquista, o manifesto do Fiari diz que o artista deve ter liberdade total, “quase anarquista”, imagine o humorista. Meus cartuns e minhas charges são bem humoradas e são bem carregadas de uma criticidade da realidade cheia de sarcasmo. Esse tipo de humor incomoda. O mestre Henfil nos deixou uma lição, o verdadeiro humor tem que incomodar os que estão no poder, e não os oprimidos. Portanto, carrego a pena contra os que estão bem, no conforto de seus privilégios e do poder.

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